A cor era azul. Azul em dia de tempestade, azul antes do vendaval, azul ardente em tarde quente....e eu, descobrindo a vida , descortinando os segredos, descobrindo os cheiros e os gostos e os prazeres de se viver ao ar livre.
Eu não devia ter mais do que 6 aninhos e já me sentia a dona do mundo, bem, pelo menos do mundo ao meu redor....E lá estava eu, no meio de uma enorme fazenda no Vale da Mantiqueira em meio a bezerros e manteigas, cobras e sapos, cavalos e charretes. E eu , tão pequenina e tão rebelde, curiosa e irriquieta , rompia todos os limites que aquelas cercas teimavam em me mostrar.
Foi nesse lugar que aprendi a voar. Literalmente.
Muitos não acreditam, ou que seja, todos não acreditam, mas eu voava sim!!... E voava livre de asas, voava mais alto que os pássaros e mais longe do que todos podiam imaginar!
Corria pelos campos em meio a cobras e bostas (porque é assim mesmo que se chamam as "fezes" dos moradores de um curral), me sujava de barro, nadava em córregos, escorregava em barrancos, e corria muito de meus pais e das surras que me esperavam..
- Maria Alice!!! Onde se meteu essa menina !!!
E lá estava eu, escondida e na espreita, à espera do momento certo para escapulir.
Havia uma coisa que eu adorava fazer antes de voar: caçar bichinhos estranhos.
Tudo o que piscasse, voasse ou fosse colorido me aguçava os sentidos e por isso , eu necessitava tê-los. Caçava-os e guardava-os em potes de vidro (aqueles mesmos que sumiam misteriosamente da cozinha de minha mãe), e os escondia no fundo de meu guarda-roupa.
Certa vez, ao voltar de um longo vôo pela fazenda, como sempre fazia , fui entrando escondidinha pela porta dos fundos quando me deparei com muitos capatazes dentro de casa e todos falando alto no meio de nossa sala de visitas....
Uauuu !! o que era aquilo???...Um boi bravo na nossa sala !! que legal ! ... Mas porque minha mãe e meu pais estavam tão nervosos, era o "Pajé", o boi preto do curral, meu amigo, e eu sabia que ele era bonzinho, mas parece que somente eu sabia ( e naquele momento, nem Pajé sabia que era manso).
Foi um tremendo corre-corre, laça-aqui-agarra-alí, Oooo, Oooooo, Ooooo, até que o coitado e assustado boi saiu pela varanda e deixou para trás um rastro de mesa, sofá e televisão destruídos...isso sem falar no tapete de estimação de minha mãe.
Lembro-me até hoje da sua sombra negra correndo ao final da tarde pelo jardim de flores de nossa casa.
Bem, isso sempre acontece com quem mora uma fazenda bem em frente ao curral.
Vejam só, enquanto me lembrava de "Pajé", veio novamente aos meus ouvidos o som do zunido do enxame de abelhas que certa vez vivenciamos. Eram muitas, e o som que faziam era muito estranho. Eram lindas também, mas doía muito onde elas mordiam...
Mexerica, Goiaba, Saputi, Jaboticaba, Abil, Cabeludinha, Manga, Laranja de bico, Uvaia, Coquinho, Framboesa e Ameixa selvagem, e tudo isso a manchar minhas roupas e minha boca, a desesperar minha mãe e a alegrar meu paladar e minha alma.
Capim Cidreira e Hortelã, Canjica e Pé-de-moleque, Arroz doce e quebra-queixo, Doce de Abobora com coco...Bala Japonesa, Droops Dulcora, Bala de Goma, Jujuba e Cigarrinhos de Chocolate...isso tem gosto de saudade, de liberdade, de infancia.
Sentir frio de madrugada, tomar banho de rio, cortar o pé no caco de vidro, sanduiche de omelete, camiseta rasgada e mão cheia de chiclete...isso tem cheiro de saudade, de liberdade e de infancia.
Fugir de casa e perder a hora, brincar na rua e brigar na escola, cantar, gritar, rolar, correr de bicho e lamber os dedos depois de comer doce....isso tem gosto de saudade, de liberdade e de infancia.
Ah !... antes que eu me esqueça, eu voava sim!! ... E até hoje, quando fecho os olhos e me entrego ao que é bom e belo ainda consigo alçar pequenos voos....e nunca precisei de Sininhos e pózinhos de Pirlimpimpim para alcançar os céus.
É verdade, não me distancio mais , não me sujo mais, não coleciono mais bichinhos estranhos, nunca mais comi Bala Japonesa, Chicletes ou Droops Dulcora, não fugi mais de casa e não gosto mais de omelete.
Adoro arroz doce, Canjica e Quebra-queixo até hoje, mas não como porque engorda, e minhas camisetas não estão mais manchadas de frutas ou rasgadas por arrame farpado, mas ainda guardo a mesma Alice dentro de mim e a liberto sempre que posso, para que essa outra que vos escreve possa sobreviver da saudade de um tempo doce e aventureiro, onde voar é possível a todos os que desejem ser livres e felizes.
Nada como relembrar nossos "Tempos de Criança"....isso me faz reviver e renovar.
Alice,
ResponderExcluirque história deliciosa vc nos proporciona através deste texto muito bem escrito! Uma viagem incrível à sua infância, doce e lindo como todas as infâncias deveriam ser. Sua participação na blogagem é especial.
Prazer em conhecer teu espaço e fazer essa linda viagem contigo!
Carinhoso abraço.~
Nossaaaaa Alice que post lindo, é como o mestre disse, temos que se fazer de crianças para entrar no reino dos céus... Saudades do jardim da infância.
ResponderExcluirBjs
Hubner Braz
"E até hoje, quando fecho os olhos e me entrego ao que é bom e belo ainda consigo alçar pequenos voos"
ResponderExcluirAlice,
logo tambem voei com você, com o singelo e puro ar do campo, com a vontade de ser além dos limites, das cercas...
você é puro exemplo do quão é importante e profundo
o país do pensamento...
um cheiro grande,
Jesus te ilumine sempre!
obrigado,
sabes que em meu coração mora...
do menino-homem
Nesse tempoa a Alice estava era mesmo no país das maravilhas, pois é maravilhoso ser criança.
ResponderExcluirTenha um ótimo fim de semana.
Quantas histórias gostosas de ler! E imagino o quão maravilhoso foi vivê-las! Adorei aqui, querida. E voltarei, viu?
ResponderExcluirAbraço grande com cheiro de infância...
Seguindo!
Olá!!
ResponderExcluirLinda tua participação na festa do nosso amiguinho...
Eu voei contigo e vivi tudo que relataste...
Nunca deixei morrem a criança que existe dentro de você, é ela que te permite sonhar e voaaaar...
Perfeito teu post.
Parabéns!
Um final de semana maravilhoso pra ti.
Bjos mil...
Ah! Alice!
ResponderExcluirQ lindo paraíso encontrei em tua bela história!
=)
E o desfecho é perfeito:
ARROZ DOCE, QUEBRA-QUEIXO E CANJICA. Amooo! E por incrível q pareça, não saboreio dos 3, a muuito tempo.
Parabens!
bjão
oi!
ResponderExcluirsejamos sempre crianças!
que os nossos sonhos, sejam lindos, como suas palavras...
bjs...
Alice, Alice, Alice...
ResponderExcluirEm que mundo encantado, vc estava escondida que eu nunca te achei antes?
Maravilhosa infância essa tua, quem viveu os voos da alegria inocente, guarda no coração os sabores doces da viagem.
Lindo demais!!!
E eu? Ah eu também alço meus voos em direção ao infinito.
Milhões de beijos
Nossa! Linda história.. Na verdade adoro todos os teus posts! *-*
ResponderExcluirEstou te seguindo, se puder.. me siga também. Beijos, e em breve eu volto, rs ;*
Belo blog, bela postagem...
ResponderExcluirExcelente trabalho!!!
Fiquei feliz em conhecer...
Veja:
http://mailsonfurtado.com